Era páscoa, mas uma data comemorativa religiosa anual. Comemora-se em um período dito santo. É mais ou menos como se estivéssemos comemorando a paz trazida pela dor de Cristo morto também simbolicamente dois dias antes, é como se, mais ou menos, disséssemos, ainda bem que não foi comigo. E déssemos Graças. Incompreensivelmente, compulsivamente compram-se ovos de chocolate, deve gerar emprego, penso, assim fica mais fácil justificar os preços do apreço que cada vez mais se parecem com qualquer coisa menos com ovo.
Cansado, resolvi decidir por ficar em casa mesmo, não quero sair, nem ver ninguém, ver filmes talvez irritem são provocativos, fui ver mais uma vez “Crash – no Limite”, e acredito que hoje como sempre ele tenha me irritado bastante, não é critica despreparada, nem mesmo comentário astuto, só acho que o roteiro de Paul Thomas Anderson, é magnificamente irritante. É irritante saber que se é assim, que se faz parte disso, é como se alguém chegasse com tanta presa e fúria e lhe dissesse tudo aquilo que julgamos verdade em sua cara de uma só vez e desse as costas e fosse embora deixando só você, a verdade, e a sala vazia. Foi assim que me senti. Eu, aquilo que podemos chamar de verdade, ou pelo menos não temos outro nome a dar, e a sala vazia. Sim por o que vi não posso chamar de outro nome, e o que senti não pode ter sido outra coisa, senão o vazio da sala.
Em fim era páscoa e eu procurava resquícios de Cristo por ai. Alguma coisa que me fizesse lembrar sua vida e obra, de seus martírios, de sua redenção de sua ascensão. Talvez tenha sido por isso que ele ressuscitou, para que pensemos que estar tudo bem e tudo volte ao normal, não, não sou religioso, nem mesmo considero-me cristão, mas acredito em tudo isso. E se fosse religioso ou cristão talvez fosse pior ter visto o filme.
Fico pensando, porque teremos que lembrar Jesus Cristo todo ano, se não lembramos sua dor no ano todo. Por que temos que religiosamente respeitar uma data que não estar dentro de mim, saber do que sou capaz, do que me faz ser a vitima e o carrasco de minhas ações e pensamentos. “Crash” é sem duvida alguma um filme para se pensar, lembro que a primeira vez que vi, chorei em determinadas cenas, em outras gritei, quis matar, e já em outras eu decidi, também sou capaz, sim por que preconceito não é para qualquer um não, é só para os que sabem, para os que sentem, para aqueles que são realmente capazes de cumpri-lo rigorosamente, atravessando uma via sacra sem fim para ser nojento, asqueroso consigo mesmo e com o próximo, nós que sabemos como rejeitar, desprezar, devemos estar felizes, pois foi feito um filme em nossa homenagem.
As vezes olho para a minha sala vazia e recrio o momento pós “Crash”, em que eu olhei para o lado e disse: por favor, avisem-me quando sai a próxima nave para o outro planeta. Sim foi esse o meu maior desejo, mas agora o meu desejo se transformou, não sei se é por que não consigo nunca saber o que quero, ou por que quero muito. Sei lá não é uma questão de querer tudo ou nada, afinal o que é o tudo? O que é o nada?
Quando na musica final, “Maybe Tomorrow”, interpretada por Stereophonics, diz “So maybe tomorrow I’ll find my way home” algo como, “Então talvez amanhã eu encontre meu caminho para casa”, eu disse: é quem sabe, e é isso ai. Resignadamente consideramos a possibilidade de não fazermos parte disso tudo e seguimos em frente, penso que podem vir mais uns dez Cristos, que ainda serão precisos mais dez. A vida nos leva, a sermos felizes, hora sim hora não, ora se não conseguimos ser o tempo todo não importa, pelo menos nas horas felizes não pensaremos se seremos triste um dia.
Quero uma vida cheia, repleta de felicidades, inteiras, serenas, tranquilas e calmas sem salas vazias ou verdades ditas com ou sem fúria, quero que a invenção de minhas felicidades não me caiam sobre a cabeça antes da paixão do ano que vem, quero que minha alma se lance sem culpa pelo alto e avante, sabendo que ela é leve por se própria pela sua própria matéria, assim como eu sei que por mim mesmo sou pesado e cheio de coisas que me prendem ao chão. E que cristo venha em minha porta todos os dias, alegrar-me com seu ensinamentos, e que antes de suas dores tudo se reinicie eternamente sem que seja preciso nem uma dor para que eu aprenda a não dar a dor ou outro.
E quero que sempre exista filmes como “Crash – No Limite” para que possamos refletir sempre, que só o que queremos é ser felizes, sem que pra isso tenhamos que inventar um Deus pregado na cruz, a nos perdoa enquanto continuamos a pecar. Ou então, por favor, me avisem quando sai a próxima nave….
Por que se tudo isso existe é por que permitimos. E temos nossa contribuição nisso.
“talvez amanhã eu encontre meu caminho para casa”